segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Alice Vieira em entrevista

(...)
A escola pública está a perder qualidade?
Há um desinteresse, um cansaço e depois há o problema da formação. Não quero generalizar, mas esta gente mais nova... Qual é a preparação que tem? Converso com professores e é um susto, desde a língua portuguesa, tratada de uma maneira desgraçada, até ao desconhecimento dos autores. Sabem muito de eduquês, mas passar além disso é difícil. Muitos professores têm uma formação muito, muito, muito deficiente. Não só falam mal como se queixam diante dos miúdos. A responsabilização dos professores é fraca, eles não são muito seguros e os alunos sentem-no.
É por isso que há atitudes de indisciplina e violência?
As manifestações dos miúdos também me perturbam, porque não sabem o que andam ali a fazer. Eles devem é aprender a falar bem, para saber reclamar, reivindicar.
Nesse caso a culpa não é da escola...
Também é. Os professores queixam-se que têm de ser pai, mãe, assistente social, educadores... Pois têm! Porque a vida dos miúdos é na escola. Em casa não lhes dão as mínimas noções de educação, o simples "obrigada, se faz favor, desculpe". Mas quando os alunos vêem os professores na rua, a berrar e a gritar, o que é que pensam?
Não concorda com o uso das novas tecnologias?
Estamos a queimar etapas, a atirar computadores para o colo de miúdos quando não sabem ler nem escrever. Só devia chegar quando tivessem o domínio da língua e da escrita. Os mais velhos não sabem utilizar a Internet, não sabem pesquisar. Copiam e assinam por baixo. O professor tem que ensinar a pesquisar. Às vezes estou a falar e tenho a sensação nítida de que os alunos não estão a perceber nada do que estou a dizer.
Essa sensação é generalizada?
No geral, as crianças têm muitas, muitas dificuldades. E os professores, logo à partida, têm medo que os alunos se cansem e nem tentam. "O quê? Dar isso? Eles não gostam, cansam-se". Há medo de cansar os meninos. Desde 1974 que os alunos têm sido muito cobaias do ministério. Aconteceu uma coisa terrível na Educação: tudo tem de ser divertido, tudo tem de ser lúdico, nada pode dar trabalho. Não pode ser.
É preciso mudar a mensagem?
Quando vou às escolas, esforço-me por transmitir aos alunos que as coisas dão trabalho, mas os próprios professores passam a mensagem de não querer ter trabalho. Quando vou ao estrangeiro, vejo os professores e penso: "Se fosse em Portugal, não era assim". Fazem o que for preciso. Cá dizem que não é da sua competência. A educação é daquelas matérias em que, se calhar, são precisas medidas impopulares. Nunca houve um ministro de quem se diga: "Fez".
Mais disciplina?
Mais autoridade, o professor não tem autoridade nenhuma. A solução passa por mais interesse e mais disciplina. O professor tem que sentir gosto pelo que faz e transmiti-lo. Não é uma profissão como as outras e não é seguramente a de preencher impressos. (...)

Entrevista de Alice Vieira, realizada por Bárbara Wong, "Aconteceu uma coisa terrível na Educação: tudo tem de ser divertido, nada pode dar trabalho", jornal Público, 19 de Janeiro de 2009, p. 3.

5 comentários:

Anónimo disse...

Li esta entrevista na íntegra e confesso que me perturbou um pouco a visão que a Alice Vieira tem da escola actual e da nova geração de professores. É que também noto alguma diferença na formação de base dos mais novos, nos quais me incluo. De que modo tudo isto se reflecte na qualidade do ensino?

João disse...

Acho que as gerações mais velhas sempre viram com aflição a preparação das gerações mais novas...

João disse...

... Mas não sei como poderá ser "medida" a preparação dos professores...

Anónimo disse...

Mais do que quantidade, será a qualidade, o tipo de preparação que recebemos. Por exemplo, no meu caso, tive carradas de cadeiras com nomes estranhíssimos que pouco ou nada ajudaram no meu trabalho efectivo com os alunos e as áreas científicas, específicas da minha disciplina, foram descuradas.

João disse...

E depois de carradas de cadeiras estranhíssimas que pouco adiantam, o Ministério confronta os candidatos a professor com um exame de acesso à profissão...